A 'Mulher de' alguém

 Olá ao /à caro /a leitor /a.
Hoje venho remeter-me a uma expressão popular e comummente usada por cá em referência à pessoa do sexo feminino com quem (outra /o) alguém tem relação romântica quer em união de facto, quer por via do matrimónio oficializado.
A expressão a que me refiro é, portanto, a 'mulher de' fulano. Ora esta expressão vem-me aborrecendo há já muito tempo...
"Gabo-me" de ser uma pessoa que sempre teve uma inteligência natural virada para o lado Linguístico e como tal uma boa dose de apreço pela minha Língua materna - neste caso faria mais sentido até dizer Língua paterna, uma vez que a Língua da parte da mãe nem era a mesma, mas sim a da parte de pai; mas digo, a Língua que aprendi a falar desde sempre  - obviamente o Português, portanto, pelo que o uso e abuso de expressões populares e corriqueiras sem se ter em atenção o seu significado mais profundo e mesmo morfológico e etimológico sempre me fez muita confusão.

Não me leve a nem me interprete mal: não tenho nada contra o ser-se popular. No entanto, usos há que por se terem tornado populares ao longo dos tempos foram assim também se desvirtuando, no meu entender. Foi-se perdendo o real significado do que se diz e pensa. A atenção à intenção por detrás das palavras, está a ver? Ao conceito a que a palavra se refere. Este é o lado negativo de se ser, ou querer ser, popular à força, e no meu ver.

Sabe caro /a leitor /a, pessoalmente tenho uma grande crença no poder, na Energia por detrás da entoação, da vibração, de uma palavra. Creio que as palavras possam mesmo ferir (a Alma) como possam também curar (a mesma Alma)... 
 E agora pergunta o /a leitor /a 'e em que é que esta conversa toda se relaciona com a expressão mulher de'?

Ora vamos lá então: popularmente, conforme já referi, usa-se dizer da pessoa do sexo feminino com quem alguém tem relacionamento romântico e vida conjugal em comum ser a sua mulher, correcto?
Acontece que a definição básica e primária do substantivo / nome 'mulher' é a de definir a pessoa ou ser humano (adulta /o), voila, do sexo feminino. 
Por outro lado, a preposição 'de', e segundo o Priberam, "une ao nome [no caso 'mulher'] o seu complemento e estabelece a relação de matéria".
Assim e no caso do meu exemplo da dita expressão idiomática, ao dizer-se 'a mulher de fulano' está a atribuir-se ao 'fulano' em questão a propriedade sobre aquela mulher.

Isto não é sequer uma interpretação pessoal com base em valores pessoais. Isto é de facto e tão somente a definição semântica da expressão.

Ora a coisa fica ainda mais interessante se pensarmos na inversão dos papéis: a pessoa ou ser humano do sexo masculino que tem relação conjugal e vida marital com outra pessoa. 
Neste caso, e fazendo o paralelismo exacto, nunca ninguém diz 'o homem de fulano / a'. Nesse caso dizemos sempre 'o marido'. O esposo. O cônjuge.
 Pelo que naturalmente é aqui que entendo existir um preconceito, e o /a leitor /a vai-me desculpar - e até calha bem que nem Feminista sequer sou :) - de género e um sexismo, um preconceito de base enraizado pelo menos na nossa cultura portuguesa e o qual se repercute na Língua, naturalmente, qual expressão mais genuína da educação e cultura de um povo.
 Gostaria de deixar o /a leitor /a com uma reflexão e um desafio ao mesmo tempo. Será que em pleno séc. XXI não seria bonito evoluirmos galopantemente (que já se faz muito tarde...) a TODOS os níveis, linguístico incluído - também por respeito à Língua! - e devolver à Mulher / às mulheres mais um direito que lhe(s) foi retirado?

Não seria ainda o caso de a própria Mulher ser participante activa e não cooperar com este preconceito? Restituir-se o direito de ser mulher de si própria apenas, e só depois a esposa - pois quem diria, afinal temos a expressão equivalente de 'marido'! :) - e a cônjuge de outro alguém?... Não serão as próprias mulheres, nós mulheres, a serem permissivas com discriminações deste tipo sem sentido (ou com sentido, que ainda é pior), não só permitindo que outros as utilizem (por exemplo ao não os corrigirmos educadamente quando ouvimos tal; instruir) ou melhor ainda e a ser o caso, em não utilizando nós próprias essa expressão?
 Será que as mulheres que permitem o uso desta expressão à sua frente e / ou a usem elas próprias (donde não me incluo, pelo menos a maior parte das vezes - as poucas vezes que me lembro de o fazer foi por vício linguístico ou mesmo preguiça) o fazem até aí por conformidade com o status quo? Por politiquice correcta? Por receio de desencadeio de discussões sexistas, por um lado, ou de parecer e soar a feminista, por outro...?

Concerteza que a muito /a leitor /a esta questão parecerá menor ou mesmo insignificante, absurda ou irrelevante, no entanto, não é das pequenas coisas que se faz o todo? Não será dos pequenos 'nadas' que se perpetuam intenções? Que se criam, constroem e mantêm inconsciências colectivas, com todo o perigo real que isso significa?
Pelo que pergunto: não será de pequenos 'nadas' destes que se faz a mudança real e efectiva, que se sonha uma Sociedade mais justa e não apenas de olhar para o lado, permissiva, compassiva e conformista?
Grata pela sua atenção e desejo-lhe o resto de um bom dia. Até uma próxima :)   

    




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