O tiro no pé de Rodrigo Guedes de Carvalho e a lição de vida de Salvador Sobral

Como é público o jornalista e escritor Rodrigo Guedes de Carvalho terá escrito por estes dias uma crónica, na revista TV Mais, criticando (duramente, dizem alguns) a atitude do Salvador Sobral aquando do concerto, durante a sua actuação, pelas vítimas de Pedrógão Grande.
A atitude em causa foi que durante a sua actuação na "Amar pelos Dois", após uma salva de palmas que se seguiu a um solo estilo beatbox, de saxofone, em que o Salvador disse, e cito, «eu sinto que posso fazer qualquer coisa, que vocês aplaudem. Vou mandar um peido, a ver o que é que acontece»

Eu vi este pedaço do vídeo no YouTube, porque embora tenha começado a ver o concerto pela TV, acabava demasiado tarde para mim pelo que já não vira a actuação do Salvador.

Ora, na verdade eu compreendo a frustração do Salvador - num momento em que ele tocasse ao piano e fizesse o tal solo de sax, e no seu final, ouve então a dita salva de palmas, com assobios - quase ovação - algo despropositada, quase até como se a canção já tivesse terminado. E mesmo depois deste seu comentário, novas palmas se ouviram...
Dá quase a sensação que desde o Festival da Canção que se deu uma espécie de feitiço, um encantamento geral na nação e internacional até, pela figura de Salvador Sobral...

Vamos a ver - eu também adorei a canção (" Amar Pelos Dois"), admiro a pessoa do Salvador - daquilo que nos é dado a conhecer a todos, obviamente, que o não conheço pessoalmente - e creio que de um modo geral a canção nos (co)move a todos.
Também compreendo o sentimento colectivo à volta da nossa vitória no Festival Eurovisão da Canção (até porque pessoalmente sigo o Festival como quem os campeonatos de futebol), por todos os motivos que sabemos, pois também eu vibrava com os resultados em frente ao televisor.
Em resumo: a música é efectivamente encantadora, o intérprete é encantador. Também concordo, e pessoalmente. Reconhecer-se isto, para mais colectivamente, não tem qualquer mal, pelo contrário - é até muito bom sinal.

Agora, como em tudo, há limites.
Portugal sempre viveu de idolatrias. Portugal sempre foi uma nação adormecida nas suas glórias, meio deprimida, qual Bela Adormecida à espera de um... Salvador ;-)
À espera de ser acordada de um sono eterno com o beijo do próximo príncipe encantado.
Foi assim com o Campeonato Europeu de Futebol, foi assim agora com a vitória no Festival Eurovisão da Canção. Orgulho nacional. Novamente - não tem mal, também partilho de, mas acho apenas que o orgulho deveria ser mais linear e constante e menos feito destes picos patrióticos, e ainda mais feito de iniciativas pessoais...

O Salvador Sobral funcionou, portanto, como o príncipe que acordou a nação, com o tal 'beijo', de um profundo sono de desesperança de algum dia sonhar ganhar, neste caso, o Festival Eurovisão da Canção.
Daí em diante idolatrado qual Messias.

Acontece que como o próprio Salvador já se fartou de afirmar, ele já era músico antes desta canção e esta canção nem sequer necessariamente o representa enquanto músico.
Ora se nos pusermos no lugar dele, quer enquanto artista quer enquanto pessoa, a qual me parece algo reservada, podemos empatizar e compreender um pouco a sua frustração, ou será assim tão difícil...? :-)

O que encontrei online como transcrição do dito comentário de Rodrigo Guedes de Carvalho (não li o artigo na revista), é o que se segue:
"Penso que já posso, como português, ter opinião sobre o comportamento do jovem talento, porque me parece que o traque do concerto solidário vem numa sequência “lógica”: não foi gás do momento. Parece-me que Salvador vive um dilema desde a primeira hora. Tentar agradar a todos é uma tarefa complicada. Sinto-o desconfortável e o traque só mo confirmou. Salvador cultiva a figura da alma livre, o músico pela música, que se junta a compinchas e mesmo que perante uma mera dúzia no público tocam como se fosse o último dia, porque é tudo amor à arte, mais o blá-blá do costume, o dos artistas muito puros que não se vergam ao vil comércio. Ainda assim, concorreu à Eurovisão. Como, de resto, tinha concorrido a tudo o que era concurso de talentos, 
que existem, que eu saiba, para quem procura o seu espacinho no apertado espectro da fama.
Quando não está a cantar estrofes, Salvador tem um problema com o que diz. Tudo espremido, deu sempre a ideia (já devia estar a pensar no traque) de que se está a cag**. Esquece-se disto: se abraçou o circo e as mordomias, fica-lhe mal cuspir na sopa. Passou logo a queixar-se, muito irreverente, muito estrela rock, das multidões que o aclamam"


Concordo com a afirmação de que o Salvador vem vivendo um dilema, o qual atingiu o seu clímax precisamente no concerto solidário.
Parece-me que perante o convite o Salvador, creio cheio de boas intenções, aceitou participar e / ou não viu como pudesse recusar, tendo em conta o que estava em causa e tendo em conta o tal papel de "Messias" que de repente o país lhe vestiu...
 Independentemente disso creio que ele tenha sentido um sentido de dever, enquanto artista, de participar numa causa nobre, para mais com a influência que ele agora tem e representando o que representa, aparentemente e pelo menos para muita gente.
Quem nunca se sentiu 'levado a' agir de um certo modo por uma questão de reputação social, para tal muitas vezes traindo-se a si próprio, que atire a primeira pedra e o Salvador é mais um ser-humano como o resto de nós, mesmo para quem julgue que não ;-) 

É aqui que para mim entra a lição de Salvador... 
O Salvador, antes de ser artista e uma figura influente, é um homem, e como tal, tem de primeiro aprender a saber honrar as suas mais profundas vontades internas, ou mesmo os seus humores.

Como digo, creio que a sua intenção inicial fosse boa, mas perante nova demonstração de idolatria por parte do público, o homem frustrado veio ao de cima. Afinal estava-se ali por uma causa maior, ou para idolatrar mais um bocadinho a canção e o Salvador? :-) Creio que foi nisto que o Salvador pensou, no entanto Rodrigo Guedes de Carvalho ao longo da sua crónica dá a conhecer, do seu ponto de vista, uma pessoa (arrogante e narcisista) que é o contrário disto :-) 

Dito isto, claro que tenho de concordar que 'o homem frustrado' aqui falhou. Não foi bonito, não esteve bem, não foi oportuno sequer dado o contexto, e com isto acho que concordamos todos (bem, talvez não as "ovelhas" que na plateia aplaudiram o tal comentário de Salvador :-) ).
No entanto, e como digo, a maior falha, na minha opinião, começou antes e aí concordo com o Rodrigo Guedes de Carvalho - foi quando o Salvador, quiçá, se sentiu na obrigação moral de participar da causa. O tal agradar de tudo e todos. 

O Salvador não tinha essa obrigação, e embora haja sempre quem vá julgar tudo, ele não mereceria ser julgado por isso, porque novamente - antes do artista, está o homem e nem o homem tem de se rever em todas as causas e mesmo que se reveja, não tem de ter disposição, sempre, para delas participar...

Todo o discurso seguinte do Rodrigo Guedes de Carvalho me soa também ele a frustrado, falso moralista, de um desprezo e de uma condescendência enjoativos, o que é uma pena vindo de uma figura com o papel e a influência que também ele tem.

Não me parece, de todo, que o Salvador cultive (falsamente?) uma imagem de 'músico livre', mais do que queira efectivamente ser o músico mais livre que puder ser. Talvez o Rodrigo Guedes de Carvalho tenha algum problema pessoal com tal conceito.

A seguir vem o 'tiro no' seu próprio 'pé'. É que se o Salvador andou, conforme afirmado, a participar em tudo o que é concurso de talentos, como ele diz, para poder encontrar "o seu espacinho no apertado espectro da fama", então não seria de esperar que o Salvador estivesse nas nuvens, a 'curtir' toda esta idolatria quase doentia que se montou à sua volta?
Não teria atingido e cumprido o seu objectivo? Porquê, e com o quê, é que ele haveria então de andar desconfortável?...

E porque é que, e já agora, um músico, ou artista de outra arte qualquer, ou simplesmente ser-humano em geral com espírito livre não pode, ao mesmo tempo, procurar os meios que lhe possam proporcionar ser descoberto no seu talento, tornar-se conhecido e assim poder exercer o seu talento em pleno, trabalhar e viver disso, idealmente? Realizar-se na sua mais elevada expressão, em vez de ser só mais um ao serviço de alguém...? Qual a contradição nisso?
Não será isto o cultivar de um espírito mesquinho, medíocre e miserável em que invejamos, e 'vemos com maus-olhos', o sucesso e a ambição alheios, o qual sempre nos acompanhou enquanto povo...?

Num país onde sabemos bem que ser-se artista de qualquer arte é uma incerteza constante? É muitas vezes uma luta inglória, desde a ter-se o seu lugar na indústria, a fazer valer os seus direitos? 
É que isto não são os EUA, onde há milhares de artistas e todos os dias 'brotam' novos, com contratos e carreiras, exposição e sucesso e tudo a que têm direito (ou não), quais cenouras...

Eu gostaria, assim, que o senhor Rodrigo Guedes de Carvalho pudesse explicar-me onde reside a imoralidade naquilo, porque eu não a vejo, bem como teria de me explicar que problema é que ele tem com o tipo de músico que ele não crê que o Salvador seja...
O senhor Rodrigo Guedes de Carvalho teria ainda, e finalmente, de nos explicar a todos para o que é que ele considera que o Salvador se esteja a cag**, uma vez que nunca chegou a completar a frase...

Creio que o Salvador Sobral caiu numa espécie de circo qualquer, sim, agora tenho é mais dificuldade em acreditar que tenha 'abraçado mordomias' ou esteja metido a 'estrela de rock', como Rodrigo Guedes de Carvalho diz, com falsos incómodos e charmes advindos de famas...

Temos todos direito às nossas opiniões, e estas valem o que valem. Tudo são perspectivas. Eu tenho a minha, como o Rodrigo Guedes de Carvalho tem a sua, como concerteza o Salvador também terá a sua sobre isto tudo.

 Agora, como tantas vezes ouvi ao próprio Rodrigo dizer no telejornal, há que zelar pela integridade da opinião (ou da notícia), neste caso estando em causa a sua opinião pessoal, e não tentar condicionar e moldar a opinião e visão do outro com base no que me parece ser a sua antipatia pessoal, neste caso relativamente a alguém, extrapolando um momento menos bom, pontual, para ajudar a manchar, enxovalhar e difamar a imagem de uma pessoa num todo a qual ele vê assim justificada, e ajudando à formatação do discernimento individual...

Infelizmente fica assim bem claro e justificado o porquê destas idolatrias doentias a ídolos da nação - amamo-los muito enquanto arquétipos, fantasia de qualquer coisa nobre e maior, mas quando o ser-humano, real, vem ao de cima arrumamo-los para debaixo de um tapete com a mesma facilidade e rapidez com que começámos a adorá-los... 
A mediocridade nacional continua, assim, e vem disparada dos lugares mais improváveis e imprevistos...

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